22/08/2023
Intermédios, mercado e os riscos de se perder no meio do caminho
por Gustavo Souto
Itens diversos de um carroceiro no São Benedito, em Santa Luzia -MG. (Gustavo Souto)
Andréia compôs a sua casa com diversos objetos comprados no ferro velho de Seu Ricardo. Ainda que localizados a poucos metros um do outro, as portas do estabelecimento não se abriram totalmente de primeira. Seu Ricardo olhava a moça de maneira cética, a respondia objetivamente, sem dar muita margem pra conversa fiada. Ainda, por vezes não aceitava vender determinados objetos para aquela pessoa recém aparecida na área. Andréia se frustrava com a atitude do senhor, pois se identificava com diversas coisas expostas no espaço. A curadoria feita por Seu Ricardo em seu ferro velho era de fato elaborada, com uma seleção que não se via em qualquer lugar. A insistência da moça acabou por o convencer que não estava ali buscando sucata. O tempo passou e a desconfiança inicial foi substituída por parceria.
Não tive a chance de conhecer Seu Ricardo. Quando me mudei para a casa da Andréia, em meio à pandemia, ele já havia falecido em função da covid. Hoje seu filho mantém seu negócio, que continua bastante interessante, porém claramente sem a peculiar curadoria de seu pai. O meu conhecimento desta curadoria vem do fato de hoje eu viver entre estes objetos, e de interagir diariamente com muitos deles.
Tais objetos, antes de comporem meus dias e atrair o interesse de Seu Ricardo foram descartados por alguém. Sabe-se lá por qual razão, mas foram. E bem, é completamente inútil aqui tentar discutir méritos e deméritos dos responsáveis pelo descarte. Fato é que hoje seriam lixo. Sucateados, enterrados, decompostos, apartados, despedaçados. Só houve um elemento que permitiu que hoje eles façam parte de minha casa: um intermediário.
Creio como natural e compreesível um artista querer que seus trabalhos caiam nas mãos de pessoas que são por ele admiradas. Faça um exercício simples: imagine que algo que você criou seja adquirido por uma pessoa que você considere abjeta. Desenvolva um pouco esse exercício e imagine que este mesmo ser poste em suas redes sociais uma foto com sua criação e com a legenda: "Veja que lindo!" Agora, contraponha esta situação imaginando que esta sua criação, da qual você tanto se orgulha, seja adquirida por uma pessoa extremamente admirada por você. Não é difícil concluir que o artista tem lá sua predileção sobre quem deveria ser seu público. Este é um ponto de dificuldade da relação artista-mercado de arte: a sensação de conceder algo que você não queria estar concedendo. A arte, enquanto encontro artista-público, sofre com os atravessamentos. A questão é que, sem essa linha que os una, a arte pode perder-se. Mais do que isso, considerar o intermediário como mero atravessador é ignorar que possa este mesmo ser público, de personalidade e interesse.
O mercado é instrumento da arte. Como tal, padece dos mesmos riscos que qualquer instrumento: se tornar maior do que aquilo a que serve. Quando o mercado de arte deixa de servir a própria arte, ao invés de viabilizá-la, torna-se fator de exclusão, coerção, esterilidade. A usura em sua atividade acaba por ter o efeito do abuso de medicamentos, que deixam de curar e matam. Ainda que por um curto período de tempo estes fluxos sejam tentadores por seus rápidos ganhos financeiros, sua falta de lastro naquilo a que deveriam servir resultam no sufocamento do próprio mercado e empobrecimento geral da atividade. O surgimento do NFT trouxe uma incrível revolução ao permitir a atribuição da autoria de artes digitais aos seus autores, como uma espécie de serviço cartorário, e consequentemente sua possibilidade de comercialização mais efetiva. Porém, conforme foi inicialmente conduzida na prática, sua implementação colocou a arte em segundo plano, submetendo-a às operações de um outro mercado, o das criptomoedas. A arte a serviço do mercado, o objetivo a serviço de seu instrumento. Há que se estar atento para observar esta inversão de hierarquia, e seus consequentes perigos.
O intermédio pode, sem dúvida, carregar em si felizes surpresas e possibilidades. Seu Ricardo e seu ferro velho estão aí para nos mostrar exatamente isto. Em texto recentemente publicado em nosso blog, nossa artista e doutora em mercado de arte Darli Nuza traz a noção do termo grego oikonomia, como uma gestão mais aproximada e zelosa da atividade econômica e do mercado, realizando sua função de instrumento de viabilização e frutificação. Tal zelo e tal proximidade geraram no ferro velho uma atração em si, através da revelação do olhar e senso curatorial de Seu Ricardo, comparável a uma galeria e suas exposições.
É certo que o mercado sempre terá uma lógica própria a apresentar, resultado da interação de inúmeros fatores, desde incentivos estatais a determinados conteúdos a posicionamentos de autoridades críticas acadêmicas, especulação financeira, e por aí vai. Em meio a todas essas regras e orientações, o artista deverá ter para si aquilo que é inegociável. Igualmente, terá o intermediário. A condução de seu servir pode, como uma grande obra de um artista, fazer-se uma bonita imagem na lembrança daqueles que a conheceram.
15/02/2023
Fé no progresso: a legitimação da arte em uma era capitalista
por Darli Nuza
O respeito às distinções e o diálogo entres os diferentes campos é um fator base e
Pensando sobre esses aspectos — econômico e estético — este artigo traz apontamentos sobre a crença que impulsiona esta síntese (GOUDZWAARD, 2019) e o porquê a legitimação da arte tem se tornado cada vez mais contaminada por ela, trazendo danos e reducionismos às artes.
Ao longo da história, na relação arte e igreja, papas e cardeais utilizavam moedas para precificar as obras e valorizar os artistas. Os elementos, conteúdo, tema, dentre outros, eram examinados e pesavam na “balança da precificação”. Os materiais também faziam parte dos fatores: um certo azul era mais caro do que um verde e o preço final da obra dependia de quanto azul podia ser pago pelo comprador. O pó de ouro também era visado e, por encomenda, aplicado no fundo das pinturas (GREFFE, 2013, p. 12). O tempo era observado e
Por outro lado, a comunidade local também participa dessa dinâmica. Ao presenciar um grau de constância e meticulosidade artística[2] de um indivíduo, ela legitima-o como artista, impulsionando-o e adquirindo seu trabalho. As redes sociais, aliadas às indicações de vendas via “boca-a-boca”, são meios efetivos. Há também situações que o artista serve a outro campo, como, por exemplo, a ciência[3], e nesse processo é consagrado pela comunidade científica. No que lhe concerne, o sistema de arte e seus agentes selecionam, investem, negociam e ratificam as criações, expondo-as no circuito e fora dele. Curadores, artistas, galeristas, feiras, leilões, museus, diretores, marchands, colecionadores — dentre outros — corroboram tanto para o reconhecimento, como também para o apagamento de obras nesse percurso curatorial.
Observando esses processos ao longo da história, podemos atentar para alguns pontos: 1
Dadas es
A legitimação da arte está para o topo da árvore, assim como a fé no progresso está para as raízes. O modo como as folhas se manifestam e reagem às estações está diretamente ligado à seiva e substâncias advindas da base. As raízes que influenciaram séculos de legitimação de obras artísticas se deram no processo de amoldamento entre os pressupostos da arte e as novas premissas advindas da Renascença e, logo depois, do Iluminismo, conscrito no Humanismo, no utilitarismo[4], na autonomia do ser humano e no desejo de liberdade (GOUDZWAARD, 2019). Em seu livro Capitalismo e progresso, Bob Goudzwaard trabalha esses pressupostos e como os diversos aspectos da vida foram afetados por eles. A arte está inclusa e, muitas vezes, faz desta fé no progresso sua seiva e premissa.
O autor trabalha a história fundacional do capitalismo e mostra que após a expansão industrial, as implicações da industrialização impactaram o ordinário de tal modo que a confiança foi depositada no desenvolvimento econômico, científico e tecnológico, instalando, assim, a fé no progresso. Esse ideal, que impulsiona para um paraíso futurista, torna-se o alicerce da esperança e ocupa o espaço deixado pelo abandono das crenças que eram pilares da sociedade medieval.
Assim, a autonomia associada ao individualismo e a sede insaciável por desenvolvimento econômico e tecnológico influencia a arte, interferindo em seu diálogo com a economia. Esta, por sua vez, sofre mudanças em suas normas, na descrição e, consequentemente, na aplicação. Goudzwaard afirma essas transformações no significado de economia, descrevendo que
Na antiguidade clássica, duas palavras gregas distintas eram usadas para descrever a atividade econômica humana: oikonomia e chrematistike. Oikonomia dizia respeito ao comportamento do mordomo cuja tarefa era administrar a propriedade que lhe era confiada de tal modo que continuaria a dar frutos, proporcionando o sustento para todos que viviam e trabalhavam nela. No entanto, chrematistike, significa a busca pelo auto enriquecimento, por posses monetárias cada vez maiores, se necessário a custa de outros. É notável observar que, na civilização ocidental, o significado da palavra economia tornou-se cada vez mais sinônimo de chrematistike, enquanto progressivamente, perdeu o significado de oikonomia, a manutenção cuidadosa como mordomo em favor de outros que é confiada ao homem (GOUDZWAARD,
Essas mudanças e sínteses de significados são visíveis, na prática. Essa manutenção cuidadosa dá lugar à competição exacerbada, impérios monetários concentrados e fechados. Em vez de instrumentos do aspecto econômico dialogando com os parâmetros derivados do aspecto estético, temos a economia legitimando o artista e, algumas vezes, ditando sua permanência no mainstream da arte. Os grandes medidores e relatórios do mercado de arte apontam cada vez mais o peso do progresso econômico e tecnológico sobre o sistema artístico.
Um exemplo disso é o que Don Thompson, especialista em mercado e arte, chama de “fadiga das feiras”. Em seu livro O tubarão de 12 milhões de dólares: a curiosa economia da arte contemporânea, ele descreve que o começo do século XXI também foi o começo de uma década marcada pelas feiras de arte[5]. Em 2008, estavam programadas 205 feiras importantes em todo mundo, contra 55 em 2001. Hoje, já são mais de 400 feiras de arte com previsão de mais de US$ 10 milhões no faturamento para 2022. Devido ao alto preço cobrado por m², boa parte das galerias não tem como galgar espaço nessas feiras que, simultaneamente, se tornam objeto de desejo e ratificadoras de qualidade e êxito das galerias. Na área da música, os dados sobre vendas advindos dos grandes streamings mundiais, tem sido o principal ponto para medição de “êxito e qualidade” das obras[6]. Será mesmo que, uma obra possui qualidade plena somente por ser a mais vendida? Esses dados mostram o domínio do aspecto econômico sobre a arte por meio do dinheiro, desequilibrando as normas de legitimação.
Gradualmente, as diretrizes do campo das artes estão cedendo lugar às regras capitalistas para julgarem os mesmos artefatos outrora avaliados por diretrizes artísticas. Uma surpresa em um dos relatórios mais importantes do sistema — o The Art Market 2022[7] — foi a coleta de dados a respeito do crescimento dos impérios bilionários no mundo e a entrada das novas gerações nesta lista (Millennials e HNWIs jovens[8]). Estas informações não são comuns a relatórios de mercado de arte, justamente por se aterem ao tema de compra e venda de obras. Isso indica mais uma expectativa dos agentes depositada no fator econômico, esperançosos por compradores específicos para o sistema. Os relatórios têm se mostrado um rico panorama econômico que tem como objeto a arte e não um rico panorama de arte em diálogo com o campo econômico.
GREFFE, Xavier.
Holland, Oscar. 'I obey time': The artist who spent three decades on a single painting. Published in October 2021. CNN - Hong Kong. Disponível em:
MCANDREW, Clare. Report The Art Market. 2022.
CHUCHEL, Fred. Report Media Traffic. 2022. Disponível em: http://www.mediatraffic.de/about-us.htm
[1]Por exemplo, a artista coreana Myonghi Kang tem como marca de produção, décadas sobre uma mesma pintura e considera a relação com o tempo, parte de sua poética.
[2]Isso inclui tanto a disposição autodidata do artista, como também seus interesses por aprimoramento acadêmico. Cursos, aprendizagem comunitária e certificações universitárias também fazem parte da legitimação do artista.
[3]Artistas ilustradores que produzem ilustrações, pinturas e desenhos anatômicos ou catalogação da flora e fauna.
[4] Para melhor exame desses movimentos e seus conceitos: GOUDZWAARD, Bob; BARTHOLOMEW, Craig G. Beyond The Modern Age: An Archaeology of Contemporary Culture. Downers Grove: Inter Varsity Press, 2017.
[5]Neste livro, o autor traz relatos de alguns agentes do sistema da arte. Por exemplo, a Michaela Neumeister, especialista em mercado e sócia da Phillips, expõe suas objeções ao excesso de feiras: “sempre que ouço falar de uma nova feira de arte começando, quase me dói fisicamente. O mundo da arte virou um circo cigano” In: (THOMPSON, 2012, p. 249).
[6]Um exemplo de “music report” é o Media Traffic que reúne e publica as paradas musicais globais, semanalmente, para álbuns e faixas. Possuem listas de hits baseadas nas paradas oficiais de muitos países ao redor do mundo, incluindo EUA, Japão, Reino Unido, Alemanha, Brasil, dentre muitos outros.
[7]O The Art Market é de autoria da Dra. Clare McAndrew, fundadora da Arts Economics em parceria com a Art Basel e UBS. Este é o maior relatório da área e traz uma extensa análise anual do mercado global de arte. Disponível em: https://www.artbasel.com/about/initiatives/the-art-market
[8]HNWI: High-net-worth individual (Alta renda líquida individual) é um termo usado para designar pessoas cuja riqueza investível é superior a US$ 1 milhão.
07/02/2023
Passando Pilot
por Gustavo Souto
Este sou eu. Gustavo Souto de Paula. Possivelmente a última vez em que fui (e serei) reconhecido como "autor do desenho".
Eu precisava escrever um texto para iniciar a nova fase do blog da Vendo. Lembrei então deste print que fala de mim, fala da imagem, da minha relação com a imagem e das inteirações das imagens com as pessoas e o mundo. Creio ser um bom ponto de partida.
Quando o Ayrton Senna morreu em 1994, minha professora pediu para que fosse feito um desenho de tema livre, ou algum em sua homenagem. Eu fiz o desenho sobre sua morte. A professora gostou, mostrou para a diretora. A diretora gostou, mostrou para outras pessoas. O desenho acabou por aparecer em diversos jornais impressos e televisivos. Dei entrevista para o Jornal Nacional e minha imagem fechou o Jornal da Globo.
Décadas mais tarde, encontrei parte da entrevista no Youtube e fiz este print. Ao postá-la como foto de perfil do Facebook, comecei a ser indagado por alguns amigos o porquê de eu estar dando entrevista com um desenho de uma piroca voadora atrás de mim. À partir destas cordiais observações percebi que este desenho abria caminho para discussões de diversos aspectos da imagem.
Crescer no Rio de Janeiro me permitiu ser criado há um ou dois quarteirões de uma das mais conhecidas imagens da orla brasileira. Uma das primeiras imagens que tenho em minha memória (se não a primeira) é a vista dos bondinhos do Pão de Açúcar da varanda da minha creche na Urca. Minha escola era no Arpoador. Aos seis anos de idade, me surpreendi juntamente aos meus colegas ao sabermos que o Rio não era a capital do Brasil. "Mas é o cartão postal", disse a professora satisfeita, nos satisfazendo igualmente. O Rio parecia ter uma forte vocação para a imagem, e eu estava imerso naquele contexto.
Eu não entendi aos 10 anos por que aquele desenho tinha repercutido tanto. Nesta época eu era conhecido por desenhar relativamente bem, e na minha cabeça já tinha feito desenhos melhores. Além do mais, eu era apenas mais um entre tantos que gostavam do Senna. Vê-lo morrer ao vivo doeu verdadeiramente em mim, e tenho certeza que em grande parte de quem tinha a mesma idade que eu àquela época. De alguma forma, representá-lo sendo recebido no céu por bendeiradas dadas por anjos e finalizando a corrida inacabada condensava na imagem a esperança, o conforto e a homenagem devida em meio a todo o horror do acidente. Este condensar acabou por encontrar o potencial da Zona Sul carioca de repercutir suas imagens. Dali ainda vinha boa parte das referências para o imaginário nacional, seja por sua vocação, seja por sua beleza, seja por já ter sido capital federal, seja por ter em si sediada a maior emissora de televisão do país.
Se meu desenho já condensava em si uma narrativa, também os repórteres tinham a sua. Apesar de irem em direções semelhantes, a conciliação dos formatos demandava algumas adaptações. Não houve muita dificuldade em saber o que dizer, pois o que esperavam que eu dissesse coincidia com o que eu realmente queria dizer. Mas ok, a saudosa Sandra Moreira me achou muito tímido e me pediu para repetir. A coordenadora do colégio quase teve uma síncope ao ver que eu não estava com o uniforme, e correu para que eu trocasse de camisa com seu filho, para que o nome da escola aparecesse (não apareceu). Mas dentre as adaptações e demandas, a ideia mais infeliz veio do infeliz do câmera. Como elemento da sua visão de como a narrativa deveria ser contada, queria que o desenho estivesse ao fundo, enquanto eu falava. Ok, referências mais arraigadas, quadro na parede, etc. Porém, o fato de o desenho ter sido feito a lápis atrapalhava seus planos, pois os traços quase não eram captados pela câmera. Este senhor teve então a brilhante ideia de me pedir para contornar com "pilot". Rapidamente, por sinal, pois eles não poderiam ficar muito tempo. Eu não era exatamente habilidoso, e o resultado não ficou exatamente bom. Ao desenho pronto adicionei alguns elementos que não eram necessários. Traçados espontâneos se tornaram tremidos. Em suma, caguei no desenho. Com desenhos e discursos alinhados, gravei a entrevista. Mas há que se ter cuidado. Os traços adaptados de hoje podem se tornar o caralho alado de amanhã.
É muito bom quando a gente faz uma imagem que tenha tanta repercussão. Acho divertido que tenha acontecido, fico feliz pela quantidade de pessoas que tiveram algum tipo de identificação com ela, pela coincidência da minha visão com muitos. Mas pode ser bom também quando ela não repercute tanto. Há motivos e mais motivos para produzir uma imagem, uma arte. É um universo grande demais para atender apenas uma ou duas lógicas mais difundidas. Não vejo como um problema em si as pessoas terem a visão de mundo da Zona Sul carioca e da Globo, mas ver a descentralização das referências é algo que enxergo de uma maneira muito positiva. Assim também a Vendo olha para o mercado de arte, para visões já consolidadas pela crítica, pelos grandes galeristas, pela lógica estatal, pelo público geral. Às vezes tem diálogo, às vezes não.
Penso ser importante que aquilo que já se consolidou em arte não se cristalize o suficiente para suprimir e sufocar as diferentes iniciativas que apareçam. A dignidade do artista tem que ser viável também fora dos grandes holofotes, através de seu encontro com pequenos públicos, difundidos por pequenos holofotes. Acredito que há e sempre haverá uma negociação, tendo em vista que vejo os trabalhos como propostas. E quando se propõe, pode-se ter a proposta aceita ou não. Mas prezar pela dignidade do artista como base é prezar por sua liberdade, e pela liberdade de seu público. E a experiência de um artista livre com um público livre é sempre mais completa.
Assim segue a Vendo, híbrida. Escolhendo dialogar ou não com os holofotes disponíveis, pensando nas negociações e no inegociável, e pensando duas vezes antes de passar "pilot" em nossos traços.
08/09/2022
Você, curador das suas imagens
por Gustavo Souto
Pensar a circulação da imagem, quando iniciamos nossos trabalhos em 2014 era algo essencialmente focado no interesse do artista. A liberdade de criação e a busca de um exercício o mais pleno possível de autoria era a fonte maior de nossas motivações e movimentos. A identificação com nossas imagens por parte do público era desejada (e obviamente necessária), mas algo sem muito destaque em nossos questionamentos para além do reconhecimento do trabalho dos autores.
A exposição das imagens diante de diferentes olhares no decorrer do tempo gradativamente despertou uma nova curiosidade: para além de desejar a identificação, decifrá-la. Olhar para o outro e buscar entender o que o levou a adquirir determinada fotografia, parar e olhar por minutos uma colagem, ignorar completamente aquilo que você o propõe com o seu desenho.
O aguçar desta curiosidade se deu muito em função de uma constatação: uma boa parte das pessoas não confia em suas próprias identificações e, consequentemente, não se permite ser curadora de suas imagens. Há uma noção disseminada de que é necessário uma espécie de aval, chancela, um olhar especializado que te autoriza a adquirir determinada obra ou não.
Não há nada de mal em si no buscar uma chancela ou conceder autoridade a outrem, mesmo porque cremos que isso sempre ocorre em algum nível, menor ou maior. Somos atravessados por diversas redes de pensamentos interligados pelos mais variados motivos. Estas redes trazem consigo a noção do que é bonito, do que é desejável, como do que é reprovável, digno de repulsa. A adesão a esse "pacote de associações" pode também ser fruto da nossa liberdade de aderir, de nos associar, de compormos determinado grupo com o qual nos identificamos e desejamos como fonte de parâmetros. Confia-se, desta forma, a curadoria de suas imagens à galeria que seu chefe te indicou, à permissão da autoridade religiosa, ao artista com o qual se tem afinidade política, aos especialistas em composição de ambiente, aos críticos de arte que dizem o que é bom. É interessante ver a homogeinidade dos gostos dentro destes grupos (como também o quanto as produções dos artistas são vinculadas a estes padrões).
Porém, a cristalização de tal crença sobre a necessidade de um olhar que te autorize acaba por sufocar a possibilidade de autonomia de muitos quando vista como a única via. Desta forma, o que começou focado na liberdade do criar passou a focar também na liberdade de curadoria. Chancelas e orientações são bem-vindas, mas desde que fruto de um exercício livre, pois há todo um universo individual de motivos pelos quais escolher suas obras. Essa preocupação se torna mais importante pela existência de um contexto onde o mercado de arte e o academicismo, voluntariamente ou não, tendem a elitizar o acesso. O que vemos é a existência de poucos colecionadores, e uma impressão generalizada do público de que possui conhecimento insuficiente para apreciar trabalhos artísticos.
A explosão da quantidade de imagens a que temos acesso diariamente advinda da quase universalidade da produção via smartphones/computadores e das possibilidades das redes sociais, ainda que por um lado tenha sobrecarregado nossos olhos e capacidade de processamento, por outro parece nos ter alçado a um outro nível de intimidade e percepção, criando um contexto no qual somos levados a escolher o conteúdo do qual queremos estar próximos e o qual rejeitamos, traçando uma linha em meio ao abundante universo disponível. Esta conduta curatorial, quase que imprescindível para sanidade mental em meios digitais acaba por refletir na nossa relação também em meios materiais, com telas, quadros, impressões, adesivos e todo tipo de arte visual.
Este processo tem criado um público latente para aquisição de arte impressa e outras modalidades visuais e plásticas. Porém é um público ainda tímido, com antigas referências ainda excessivamente arraigadas e carente de novos meios. Quantas não foram as vezes em que, presentes em feiras de rua, ouvimos que não se via muito esse tipo de trabalho "por aí", o quanto era diferente, e a famosa frase "é bonito, mas não entendo de arte"?
Distanciar uma pessoa da curadoria das imagens que vão compor seus dias é, em alguma medida, suprimir o que julgamos ser sua melhor possibilidade: ser um ponto de diálogo, diante do qual nos colocamos, observando a obra, as perspectivas e oscilações de nosso próprio olhar. Nem sempre dominamos os motivos e razões de nossas identificações. Levar uma imagem consigo é uma oportunidade de observar a si mesmo. Perceber o que atrai seus olhos, refletir sobre o porquê da atração. Descobrir o destaque que você quer dar para a obra, se quer exibi-la, escondê-la. Levar para o quarto, deixar na sala. Perceber que sentido há para você, perceber o fim deste sentido. Guardá-la, joga-la fora. Entendê-la, entender-se. Seguir um critério externo de curadoria é abrir mão deste diálogo, em parte ou mesmo inteiramente. Motivações e sentidos prontos acabam por suprimir os do próprio indivíduo.
A viabilização de uma curadoria autônoma é também econômica e social. Mostrar à pessoa que ela pode ser colecionadora de arte passa também por mostrar que aquilo está ao alcance de suas mãos. Galerias exclusivas, de público restrito podem e devem caminhar juntamente a pequenas feiras e exposições. Reproduções, pequenos formatos podem e devem caminhar juntamente a grandes obras originais. Prints Fine Art de séries limitadas são uma ótima opção para pequenos colecionadores, com preços acessíveis, boa qualidade e aproximação do artista. É também uma ótima maneira de adentrar o mercado de arte. Galerias de parede, sejam de proposta minimalista ou maximalista, podem se tornar um pequeno museu particular, apresentado ao público de sua escolha. Há formatos ainda mais simples e acessíveis, como imãs, zines, postais, adesivos, que podem formar um grande mosaico ou ocupar individualmente o seu lugar.
Concluindo, olhar atentamente para os colecionadores aperfeiçoa a nossa proposta. Não somente o artista livre, mas também o colecionador livre. Não somente a busca pelo artista o mais integralmente presente na obra, mas também pelo colecionador o mais integralmente presente na sua escolha. É a força da presença dos dois que gera a verdade do encontro.
Fica o convite. Você, curador das suas imagens.
01/09/2022
Exposição Abrir Caminhos
O Vendo Fotografias e a Arreda Galeria Estúdio realizam a exposição Abrir Caminhos, da artista Karla Ruas. O conjunto de oito obras inéditas no Brasil se unem pela inspiração oriunda do desejo que a vida persevere, através de novas possibilidades, sonhos e desejos. A exposição está aberta ao público das 09:00hs às 19:00hs na Rua dos Aimorés, 1167 - Funcionários, em Belo Horizonte. Quadros e prints podem ser adquiridos ou encomendados no local, de séries de impressão limitada e ilimitada. A casa tombada em região histórica da cidade abriga ainda obras de outros artistas tatuadores.
As imagens também estão disponíveis em nossa galeria virtual para aquisição em prints A4, A3 e A2.
Aguardamos sua visita!
28/04/2021
O fotógrafo Gustavo Souto está lançando seu e-book/exposição "Médio e Comum - Observação do Ordinário". O projeto que deu origem ao livro foi iniciado em 2017 como uma galeria colaborativa de fotografias de rua hospedada no Instagram, e contou com publicações até 2019. Além de reunir imagens do autor que compuseram o perfil, o trabalho conta com textos que versam sobre o processo, trazem situações e pensamentos acerca da fotografia de rua e o relacionamento do nosso olhar com o comum.
Para fazer o download, basta tocar/clicar na imagem abaixo:
O fotógrafo é também autor dos fotolivros digitais Quarenta, Luz e Vento. Para conhecê-los toque/clique nos nomes ou acesse feiravendo.minestore.com.br
05/12/2020
Vendendo Fotografias
por Gustavo Souto
O Vendo Fotografias nasceu da premissa simples da preservação máxima da liberdade autoral e a busca dos meios de circulação que pudessem fazer com que o trabalho encontrasse quem por ele se interessasse. Em suma, permitir ao artista produzir aquilo que o instigasse, e depois buscar ligá-lo a quem gostasse do resultado.
E lá se vão 6 anos vendendo fotografias, que acabaram se desdobrando em outros tipos de imagem. Essa venda é também, desde o início, uma investigação. A premissa original, ainda que prevaleça, foi, é e continuará sendo desafiada pelos contextos, dialogando com os mesmos, amadurecendo o projeto no fortalecimento de sua identidade. Desse diálogo surgem sempre questões, e uma boa parte delas diz respeito aos valores (monetários ou não), formatos e locais de circulação dos trabalhos e seus efeitos na democratização e dignificação dos mesmos, dos artistas e da arte, em geral.
A escolha da rua como local de exposição veio como o que era viável na época em que iniciamos, mas logo se estabeleceu como um ambiente de real afinidade com as nossas propostas. Ainda que tivéssemos trabalhos expostos em outros locais e outros tipos de parceria, era na rua que a proposta parecia se apresentar de maneira mais fiel às nossas expectativas. Eu e João pegamos nossos quadros e cavaletes e montamos nossa estrutura primeiramente na frente da casa da minha avó, quase escondidos. Depois, atravessamos a rua, mais à vista. Enfim, nos encaminhamos para a praça, onde sob uma de suas árvores achamos um canto por onde ficamos um bom tempo, até finalmente nos estabelecermos com uma barraca na feira que lá acontecia aos domingos.
Vender fotografias dentro dessa proposta despertou as mais diferentes reações. O passar do tempo nos mostrou e reforçou a ideia de que as pessoas adquirem majoritariamente as imagens com as quais estabelecem algum tipo de relação, seja por conteúdo, seja por formato, seja por local de exposição, seja por qualquer tipo de chancela. A exposição em um ambiente popular, sem um público específico previamente direcionado (como em uma galeria ou feira de arte, por exemplo) trouxe no decorrer do tempo curiosas criticas, como a da senhora que não se conformava por eu fotografar vegetação seca no Norte de Minas, tendo em vista que seca por lá “já havia muito”, e que eu deveria retratar belas e frondosas flores. Houve também críticas a própria escolha da venda de fotografias em si, uma vez que as possibilidades digitais incluíram grande parte das pessoas como produtores de imagem, trazendo por vezes a ideia de “para que comprar se eu mesmo posso fotografar”. Na fonte desta mesma ideia chegamos a escutar que se poderia dar valor àquelas imagens se fossem desenhos ou pinturas, mas não fotografias.
Recebemos também alguns questionamentos por parte de artistas e contumazes apreciadores de arte mais afeitos aos caminhos tradicionais de circulação, aos formatos usuais de exposição, ao ambiente mais exclusivo e restrito. Ouvimos sinceras e bem intencionadas preocupações por parte de alguns sobre uma possível desvalorização das obras, e da arte, em geral. Na defesa das galerias como núcleos de fortalecimento de seus membros, um artista colocou de maneira bastante veemente que submeter seus trabalhos a uma feira de rua seria indigno, e que artes visuais jamais deveriam ser vendidas ao lado de bananas, a não ser como experiência conceitual exercida por artista já consagrado.
Por outro lado, havia também a surpresa positiva diante dos trabalhos. A desconfiança se desdobrava em um olhar curioso e interessado. A iniciativa de colocar ali as fotografias a venda eram muito bem vistas, e por vezes foi manifestado o questionamento do porquê daquele tipo de coisa não ser muito visto mais “por aí”.
A identificação com a proposta obedece a um tempo próprio em cada situação. Nossa vizinha de barraca da feira, inicialmente, não demonstrou grande entusiasmo com nosso trabalho. No decorrer de nossos encontros semanais, porém, a mesma passou a apresentar certa aproximação, em especial de uma fotografia que tínhamos de uma mulher caminhando por um longo caminho de vegetação seca, de aspecto muito quente. Após algumas semanas de processo, certo dia ela pega essa imagem e diz: “esse caminho parece a entrada da roça da minha mãe”. A proposta que eu havia feito ao levar aquela imagem para a feira estava finalmente dada concretamente. A imagem havia comunicado, tocado. O decorrer dos dias permitiu que aquela moça estabelecesse relação com a imagem, levando-a da indiferença inicial à identificação com as referências que trazia consigo.
Casos como este nos mostraram que estas nossas escolhas não somente nos permitiram iniciar a circulação de nossos trabalhos, como também inserir pessoas como público para obras de artes visuais. Por vezes ouvimos: “ É bonito, mas eu não entendo nada de arte”. Esta frase carrega em si uma noção relativamente comum de que há necessidade de preparação ou chancela de alguém preparado para apreciar corretamente os trabalhos, não bastando a própria afinidade ou gosto pelos mesmos. Porém, o ato de apresentar concretamente as obras, mostrá-las acessíveis às mãos, propor visualizações no contexto de cada um ou simplesmente trocar ideias acaba por torná-las mais próximas e, em alguma medida, ameniza conceitos prévios sobre a relação público/obra que estas pessoas carregam consigo.
A exposição das nossas imagens diante do senso comum, da visão média existente sobre a fotografia e a observação dos diversos desdobramentos deste encontro se tornaram grandes pontos de interesse, compondo hoje parte do que é a essência do Vendo Fotografias.
Os desafios e questões enfrentados nas feiras se renovaram e potencializaram após o estabelecimento dos períodos de quarentena. A materialidade, o produto palpável, concreto, exposto e tocado em meio a um grande trânsito de pessoas caracterizavam praticamente todo o funcionamento do projeto. O cerne do Vendo Fotografias, entretanto, é a imagem. E a busca pelos seus meios de circulação engloba a descoberta das possibilidades ainda que em circunstâncias restritas. O digital então se apresenta a nós como uma novidade. Porém, embora novo, traz consigo questionamentos muito semelhantes aos que já lidávamos.
Entrevista
Darli Nuza é uma artista de olhar atento ao mercado de arte, seus fluxos e desdobramentos. Este interesse se uniu ao seu amor por feiras populares e grandes mercados, com seus cheiros, cores, sabores, em uma experimentação tipicamente mineira. Esta união resultou em sua tese de doutorado apresentada a UNB: “Entre Feiras: Uma poética sobre feiras e mercado de arte e tecnologia”. O paralelo entre as lógicas dos dois mercados trouxe luz também a curiosas semelhanças em seus funcionamentos e abordagens, ainda que cada qual com sua peculiaridade. O foco na arte e tecnologia traz também este outro aspecto desafiador, despertando diversas reflexões advindas do que é próprio da materialidade e do que é próprio da imaterialidade.
No início da quarentena, houve diversas iniciativas de disponibilização de trabalhos artísticos digitais de maneira gratuita, essencialmente fundadas na solidariedade devido ao momento enfrentado. Posteriormente, o início da cobrança desses trabalhos geraram algumas críticas por parte do público, que parecia ainda enxergar o formato digital como meramente circunstancial/emergencial, opção somente para casos de impossibilidade material . Após todos estes meses de quarentena, você enxerga alguma modificação na valorização de obras digitais?
Há alguns pontos que precisamos pensar. A primeira é que público é este que estamos falando. Se formos falar de um público mundial, é um outro tipo de relação com a imagem. Se falarmos do público brasileiro, que é o que vou abordar aqui, por ser a nossa realidade, a coisa muda. A formação de nosso público para apreciação e consumo das artes possui uma defasagem, um delay. É um público que, em sua maioria, não é formado para comprar, pagar por imagem, trabalhos artísticos. Por vezes degusta, experencia (por redes sociais,por exemplo), aprecia, mas mesmo para isso apresenta defasagem. Segundo que,no Brasil ainda se utiliza fortemente o digital, o online como meio de propagação,publicidade e não exatamente como linguagem que estamos vendendo. Uma coisa é comprar uma imagem digital, um trabalho composto integralmente somente do online, outra coisa é usar a internet para propaganda da imagem/trabalho que ao ser vendido será impresso e enviado.O digital precede, porém, após a compra, imprimimos e enviamos o material. Problema com isso? Nenhum. São opções, vias. O caso é que seguimos alimentando e educando o público a optar, na maioria das vezes apenas por produções palpáveis, materializadas, tangíveis. Logo, quando apresentamos alguma obra totalmente digital, a desconfiança é maior e abre-se dificuldade para compra. Quanto às mudanças no tempo de quarentena, podemos ver alguma modificação quanto ao consumo como apreciação, mas não necessariamente quanto ao “comprar”. Antes da pandemia não tínhamos naturalizado esse costume de compra de obras digitais, e isso não mudaria assim, de uma hora para outra. Pode ser que o caminho da valorização virá ainda através desta apreciação gratuita. É preciso passar antes por um período de reeducação dos sentidos e da abordagem financeira sobre essas produções, para então se reverter efetivamente em vendas.
Como se atribui valor a estes trabalhos imateriais, predominantemente reprodutíveis e imersos em um imenso universo de semelhantes gratuitos e facilmente acessíveis?
Dois pontos me ocorrem de maneira mais imediata. Primeiramente, quanto à forma como se disponibiliza o trabalho digital. Pensando que o público, sendo um público leigo sobre esse tipo de comercialização, pensará o mais próximo ao que ele já está habituado, ou seja, trabalhos tangíveis, materializados. Estes trabalhos podem concorrer diretamente com os digitais. Desta maneira, deve-se buscar uma melhor apresentação da obra. Pensando dinâmicas sobre o antes, o durante e o depois daquele produto, uma abordagem/uma dinâmica interessante para que se faça atraente. Vender o peixe faz parte do processo de valoração dos trabalhos materiais e deve fazer parte também dos imateriais. A segunda coisa, é pensar no hibridismo. A exemplo, tenho um trabalho que tem parte material em 5cm X 5cm e possui um código que a conecta a um site, onde se desfruta o restante da obra. É necessário também em outras dinâmicas, e não se embasar somente nas dinâmicas que já se fazia com o material. Se estamos lidando com o imaterial, algo diferente, então precisamos também pensar em ferramentas diferentes.
Exclusividade, limitação, seleção de público. A restrição de acesso está inerentemente ligada ao valor da obra? Estes critérios são por si só elitistas ou são conciliáveis com uma lógica de democratização da arte? Como medir o ponto em que uma obra foi excessivamente reproduzida ou confeccionada em formatos amplamente acessíveis de modo que a mesma termine por se desvalorizar?
Não é regra a restrição de acesso estar inerentemente ligada ao valor da obra. A questão sobre esse ponto da desvalorização é a pergunta de ouro que todos querem responder. Porém, não sei se este ponto é a questão crucial. Por exemplo, a Monalisa foi extremamente reproduzida e conhecida, em diversos formatos amplamente acessíveis, e não se desvalorizou. Então, a reprodutibilidade da obra não é um ponto que gera a desvalorização. Ao contrário, essa democratização e disseminação por diversas vias e camadas, pode gerar ainda mais valorização. Ainda, acho que é mais acessível observarmos os fatores que perpassam a “construção de valores de uma obra”do que fatores de sua “desvalorização”. Para agregar valor, arrasta-se muitas coisas (prêmios,carreira, exposições por exemplo) e esses fatores podem ser abertamente identificados, apontados.
É possível vender arte ao lado de bananas?
É possível sim, e eu apoio (risos). O trânsito de lá para cá é bem vindo(de artefatos das feiras), porque que daqui (do campo das artes) para lá não poderia ser? É natural o trânsito de objetos e conceitos desses espaços para dentro das exposições de arte, para dentro desses cubos brancos. E são bem vindos e usados como meio de produção artística (em feiras, em galerias, em bienais). Então, porque não promover também as linguagens artísticas em outros espaços, inclusive não legitimados? Acho que sim e acho que adoraria ver arte, mais vezes,ao lado de bananas.
*Primeira foto: André Oliveira - Montes Claros,2014. Segunda Foto: Gustavo Souto - Belo Horizonte, 2019. Terceira Foto: Cedida por Darli Nuza.
A Vendo cria, investiga e circula a imagem. Através de nossa galeria online você pode adquirir impressões artísticas em Fine Art, a partir de obras de autoria de nossos artistas. São fotografias, gravuras, desenhos, pinturas autorais, ideais para pequenos colecionadores e para quem quer formar uma galeria de parede. Passeie por nossas exposições e leve a nossa arte para o seu mundo.